quarta-feira, 21 de maio de 2008

O pão de cada dia, por Tati Silva



“Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E, no entanto, morre quem não come, e quem não come
O suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe permitido se defender” (Quem Se Defende – Bertold Brecht)


Andava rapidamente, quase que correndo. Tinha pressa. Não teria que chegar a lugar nenhum, até por que já estava em nenhum lugar. Não tinha rumo, mas sabia que tinha pressa. Aquela situação parecia incandescer o coração do pobre rapaz. Sem olhar para os olhos da garota, que parecia estar preocupada com o horário no ponto de ônibus, ele agiu. Igual um trem bala, o rapaz arrancou-lhe a bolsa e sumiu na primeira esquina.
Os gritos e o choro não tocaram o coração dele. Inconsolável e assustada a moça sentou-se na calçada não acreditando no que tinha lhe acontecido. Em menos de trinta segundos as pessoas começaram a surgir oferecendo apoio. Mas trinta segundos antes não tinha ninguém. É sempre assim!
O hábil e ligeiro rapaz já devia estar bem longe. Aquela situação parecia ser comum para ele. Afinal de contas, tudo foi feito com tanta naturalidade e frieza. Nem ao menos olhou nos olhos daquela garota.
Fico tentando adivinhar o que motivou aquele “foguete” - parecia de tão ligeiro - a fazer aquilo. Todos devem imaginar o pior do garoto. Mas o motivo que o levou a fazer fica por último diante de tanta indignação. Ontem, no ônibus do primeiro horário, quando me acomodei no assento e olhei na janela dei de cara com o rapaz. Assustei-me, pensei que ele agiria de novo, mas não. Ele trazia debaixo de um dos braços um saco de pão e um litro de leite. E no outro, pelas mãos, uma garota bonitinha, com o nariz todo sujo de ranho, que gritava miúdo chamando-o de papai.

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